Dados do IBGE mostrou que as mulheres hoje administram 30 milhões de hectares no país
Em um ambiente marcado historicamente pela presença e liderança masculina, a produtora rural Sirlene Alencar resume sua determinação: “eu não me troco por qualquer homem não”. Pecuarista e proprietária rural em Rio Maria, no Pará, Sirlene representa um número que apesar de ainda pequeno (cerca de 19%, segundo o IBGE) vem aumentando: o de mulheres à frente dos negócios rurais.
A produtora teve que assumir a produção pecuária de sua propriedade logo após a morte do marido. “Eu assumi a propriedade sozinha com a cara e a coragem. Até então não tinha noção de como era administrar uma fazenda. Sofri bastante, errei bastante e aprendi muito. Eu não sei tudo, mas o que eu aprendi, eu aplico na minha propriedade.”
As mulheres dirigem quase um milhão de estabelecimentos rurais no país, segundo os dados do Observatório das Mulheres Rurais, criado pelo Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa – Agropensa. O número, com os dados do último Censo Agropecuário de 2017, representa 18,71%, do total, mas é um salto se comparado aos dados de 2006 quando representavam apenas 12,68%.
Quase metade dos estabelecimentos (47,6%) são destinados à pecuária e criação de outros animais, e 34,4% para a produção de lavouras temporárias. Mas há ainda mulheres gerenciando estabelecimentos de produção de lavouras permanentes, produção florestal, horticultura e floricultura, produção de florestas plantadas, aquicultura e pesca e produção de sementes e mudas certificadas.
Há ainda modelos mistos de produção. Sirlene, por exemplo, conseguiu transformar sua produção e não trabalhar apenas com gado, hoje além de pecuarista, ela trabalha com piscicultura e apicultura.
Luta e Formação das Mulheres no Campo
Desde 2001, o governo federal tem buscado apoiar e desenvolver leis e programas que auxiliem as mulheres do campo para atender as demandas de igualdade. Uma portaria do então Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo, destinava 30% dos recursos relativos às linhas de crédito do PRONAF, preferencialmente, para mulheres agricultoras rurais e em 2003 finalmente surgiu o PRONAF Mulher, que cede crédito para mulheres agricultoras integrantes de unidades familiares de produção com base na apresentação de projetos técnicos ou propostas simplificadas.
Atualmente o Agro+ Mulher, programa do Ministério da Agricultura e Pecuária tem atuado para inibir as diferenças de gêneros no mercado de trabalho, em especial no agronegócio. A iniciativa foi oficializada em 2018, depois de debates que começaram em 2016, e tem intermediado as demandas por crédito, trabalho e uma vida sem violência na área rural.
Muitas das reivindicações que auxiliam a formação das políticas públicas para as mulheres no campo são organizadas por meio da Marcha das Margaridas. Reunindo principalmente as pequenas produtoras e agricultoras familiares, a iniciativa tem sido importante para a aquisição de direitos, créditos e chamar atenção dos governos. Depois de anos sem realizar a tradicional caminhada em Brasília, as organizadoras já iniciaram os preparativos para o evento de 2023 que terá como tema “Pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”.
“Nós, mulheres, analisamos o cenário brasileiro em que a Marcha das Margaridas está sendo realizada. É um cenário de desmonte das políticas públicas, de aumento da violência, de ataque aos direitos e aos recursos naturais, de machismo, misoginia e preconceito, entre outros retrocessos ao longo dos últimos quatro anos, quando realizamos a Marcha das Margaridas 2019”, pontuou a secretária de Mulheres da CONTAG e coordenadora geral da Marcha das Margaridas, Mazé Morais.
A iniciativa privada também está de olho nas oportunidades de negócios que o setor tem apresentado. Desde 2016, o Congresso Nacional das Mulheres no Agronegócio se atenta para as demandas das mulheres no campo, organizando debates que têm como objetivo contribuir para o desenvolvimento e a ampliação da atuação das mulheres em diferentes esferas do agronegócio. No primeiro ano, já participaram 600 pessoas de mais de 15 estados.
Hoje, conta com mais de 1900 participantes femininas e está presente em 25 estados brasileiros. Isso representa um avanço no que diz respeito à presença de mulheres no campo.
Para Gislaine Balbinot, membro do conselho de conteúdo do 8º CNMA, dentro dos centros urbanos “as mulheres têm atuado no agro de forma direta ou indireta, como gestoras, consultoras e diretoras. Já dentro da porteira, fazem a gestão das propriedades, lideram os negócios, além de muitas que se especializam e prestam serviços dentro das fazendas, como agrônomas, veterinárias, microbiologistas, entre outros. Então, temos as mulheres presentes em todas as cadeias produtivas do setor”.
Produção Sustentável
Seja mulheres ou homens, uma preocupação que permeia toda a cadeia produtiva agropecuária é a sustentabilidade. Os produtores e as produtoras sabem que se quiserem continuar no mercado terão que atender às exigências do mercado para uma cadeia livre de desmatamento, trabalho escravo e que leve em conta o bem estar animal. Há grandes expectativas no setor de que as mulheres e os jovens possam encabeçar as transformações necessárias para o setor.
Relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura aponta que somente com a inclusão das mulheres na agricultura os países poderão melhorar o desempenho da agricultura e combater a fome e desnutrição. Os desafios são melhorar as oportunidades de formação para as mulheres, combater a violência e promover a equiparidade salarial. No setor da agricultura, as mulheres ainda recebem, em média, R$240,00 a menos do que os homens.
Na ocasião da entrevista, Sirlene participava de um evento de formação para discutir a Pecuária Responsável, que também debateu o controle de origem dos animais para impedir produtos com origem de desmatamento ilegal da Amazônia. “Hoje eu aprendi que eu preciso ter essa noção. Tanto para quem eu estou vendendo quanto pra quem eu estou comprando”, afirmou na ocasião.
O evento foi organizado pela The Nature Conservancy (TNC), e contou com o apoio da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Partnerships for Forests (P4F), Funded by UK Government, Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Água Azul do Norte (ACIAAN), Consipa, Sicredi, Frigol, Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Escritório Verde da JBS e Safe Trace.
Por: Aldrey Riechel e Nicole Matos